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12.6 Tecnologia Biofloc (BFT) Aplicada a Aquapônica

· Aquaponics Food Production Systems

12.6.1 Introdução

A tecnologia biofloc (BFT) é considerada a nova “revolução azul” na aquicultura (Stokstad 2010), uma vez que os nutrientes podem ser continuamente reciclados e reutilizados no meio de cultura, beneficiados pela produção de microrganismos in situ e pela troca mínima ou nula de água (Avnimelech 2015). Estas abordagens poderão enfrentar alguns desafios sérios no sector, tais como a concorrência por terra e água e os efluentes descarregados para o ambiente, que contêm excesso de matéria orgânica, compostos azotados e outros metabolitos tóxicos.

O BFT foi desenvolvido pela primeira vez no início da década de 1970 pela equipe Aquacop do Ifremer-Cop (Instituto Francês de Pesquisa para Exploração do Mar, Centro Oceânico do Pacífico) com diferentes espécies de camarão, incluindo Litopenaeus vannamei, L. stylirostris e Penaeus monodon (Emerenciano et al. 2011). No mesmo período, Ralston Purina (uma empresa privada dos EUA) em conexão com a Aquacop aplicou a tecnologia tanto em Crystal River (EUA) quanto no Taiti, o que levou a uma maior compreensão dos benefícios do biofloc para a cultura do camarão. Vários outros estudos possibilitaram uma abordagem abrangente do BFT e pesquisaram as inter-relações entre água, animais e bactérias, comparando o BFT com um ‘rumen’ externo, mas agora aplicado ao camarão. Na década de 1980 e no início da década de 1990, tanto Israel quanto os EUA (Waddell Mariculture Center) iniciaram P&D em BFT com Tilapia e o camarão branco do Pacífico L. vannamei, respectivamente, em que preocupações ambientais, limitação de água e custos de terra foram os principais agentes causadores que promoveram a pesquisa ( Emerenciano et al. 2013).

Fig. 12.5 Tecnologia biofloc (BFT) aplicada à cultura de camarão marinho no Brasil (a) e à cultura Tilapia no México (b) (Fonte: EMA-FURG, Brasil e Maurício G. C. Emerenciano)

As primeiras operações comerciais BFT e provavelmente as mais famosas começaram na década de 1980 na fazenda ‘Sopomer’ no Taiti, Polinésia Francesa, e no início dos anos 2000 na fazenda Belize Aquaculture ou ‘BAL’, localizada em Belize, América Central. Os rendimentos obtidos utilizando tanques de betão de 1000 msup2/sup e lagoas de crescimento forradas de 1,6 ha foram de aproximadamente 20 a 25 toneladas/ha/ano, com duas culturas em Sopomer e 11 a 26 toneladas/ha/ ciclo no BAL, respectivamente. Mais recentemente, a BFT foi expandida com sucesso na agricultura de camarão em grande escala na Ásia, na América do Sul e Central, bem como em estufas de pequena escala nos EUA, Europa e outras áreas. Pelo menos em uma fase (por exemplo, fase de berçário) BFT tem sido usado com grande sucesso no México, Brasil, Equador e Perú. Para a cultura Tilapia em escala comercial, fazendas no México, Colômbia e Israel estão usando BFT com produções em torno de 7 a 30 kg/msup3/sup (Avnimelech 2015) (Fig. 12.5b). Além disso, esta tecnologia tem sido utilizada (por exemplo, no Brasil e na Colômbia) para produzir juvenis de tilápia (\ ~30 g) para mais estoque em gaiolas ou lagoas de barro (Durigon et al. 2017). O BFT tem sido aplicado principalmente à cultura do camarão e, em certa medida, à tilápia. Outras espécies foram testadas e mostram promissoras, como observado para bagres de prata (Rhamdia quelen) (Poli et al., 2015), carpa (Zhao et al., 2014), piracanjuba (Brycon orbignyanus) (Sgnaulin et al., 2018), cachama (Colossoma macropomum) (Poleo et al. 2011) e outras espécies de crustáceos, como Macrobrachium rosenbergii (Crab et al., 2010), Farfantepenaeus brasiliensis (Emerenciano et al., 2012), F. paulensis (Ballester et al., 2010), Penaeus semisulcatus (Megahed, 2010), L. stylirostris (Emerenciano et al., 2011) e P. monodon (Arnold et al., 2006). O interesse pela BFT é evidente pelo número crescente de universidades e centros de investigação que realizam investigação em particular nos domínios fundamentais da gestão do crescimento, nutrição, reprodução, ecologia microbiana, biotecnologia e economia.

12.6.2 Como funciona a BFT?

Os microrganismos desempenham um papel fundamental nos sistemas BFT (Martinez-Cordoba et al. 2015). A manutenção da qualidade da água, principalmente pelo controle da comunidade bacteriana sobre microrganismos autotróficos, é alcançada utilizando uma alta relação carbono/nitrogênio (C:N), uma vez que os subprodutos nitrogenados podem ser facilmente absorvidos por bactérias heterotróficas. No início dos ciclos de cultura é necessária uma elevada relação de carbono para azoto para garantir o crescimento óptimo das bactérias heterotróficas, utilizando esta energia para a sua manutenção e crescimento (Avnimelech 2015). Além disso, outros grupos de microrganismos são cruciais nos sistemas BFT. A comunidade bacteriana quimioautotrófica (isto é, bactérias nitrificantes) estabiliza após aproximadamente 20 a 40 dias e pode ser responsável por dois terços da assimilação de amônia no sistema (Emerenciano et al. 2017). Assim, a adição de carbono externo deve ser reduzida e a alcalinidade consumida pelos microrganismos deve ser substituída por diferentes fontes de carbonato/bicarbonato (Furtado et al. 2011). A estabilidade da troca de água zero ou mínima depende da interação dinâmica entre as comunidades de bactérias, microalgas, fungos, protozoários, nemátodos, rotíferos, etc. que ocorrerão naturalmente (MartinezCordoba et al. 2017). Os agregados (bioflocos) são uma rica fonte natural proteína-lipídica de alimentos que se tornam disponíveis 24 h por dia devido a uma interação complexa entre matéria orgânica, substrato físico e grande variedade de microrganismos (Kuhn e Boardman 2008; Ray et al. 2010). A produtividade natural em uma forma de produção de microorganismos desempenha três papéis importantes nos tanques, pistas ou lagoas alinhadas: (1) na manutenção da qualidade da água, pela absorção de compostos nitrogenados gerando proteína microbiana in situ; (2) na nutrição, aumentando a viabilidade da cultura através da redução da alimentação rácios de conversão e diminuição dos custos de alimentação; e (3) em concorrência com agentes patogénicos (Emerenciano et al. 2013).

Em relação à qualidade da água para os organismos de cultura, além do oxigênio, o excesso de matéria orgânica particulada e compostos nitrogenados tóxicos são a principal preocupação nos sistemas bioflocos. Nesse contexto, ocorrem três vias para a remoção do nitrogênio amônico: a uma taxa menor (1) remoção fotoautotrófica por algas e a uma taxa maior (2) conversão bacteriana heterotrófica do nitrogênio amônico diretamente para biomassa microbiana e (3) conversão bacteriana autotrófica de amônia para nitrato ( MartinezCordoba et al. 2015). O nitrato disponível nos sistemas e outros nutrientes menores e importantes acumulados ao longo do ciclo poderia ser usado como substrato para o crescimento de plantas em sistemas aquapônicos (Pinho et al. 2017).

12.6.3 BFT em Aquaponics

A aplicação do BFT em sistemas aquapônicos é relativamente nova, embora Rakocy (2012) menciona um projeto comercial de escala piloto com tilápia. A Tabela 12.2 resume os principais estudos recentes que utilizaram BFT em sistemas aquapônicos.

Globalmente, os resultados demonstram que a tecnologia de bioflocos pode ser utilizada e integrada numa produção de peixe ou camarão. A BFT, quando comparada a outros sistemas aquícolas convencionais (como a RAS), melhorou a produção de plantas e peixes e promoveu uma melhor qualidade visual das plantas (Pinho et al. 2017), mas não em todos os casos (Rahman 2010; Pinho 2018). Pinho et al. (2017) observaram que os rendimentos de alface com o sistema BFT foram maiores quando comparados ao sistema de recirculação de águas claras (Fig. 12.6). Isto é possivelmente devido à maior disponibilidade de nutrientes fornecida pelo

Tabela 12.2 Estudos recentes em todo o mundo aplicando o BFT em sistemas aquánicos para diferentes espécies aquáticas e vegetais

tabela cabeça tr class=“cabeçalho” queEspécie aquática/th th Espécies vegetais /th th Principais resultados /th th Referências /th /tr /cabeça tbody tr class=“ímpar” TDtilápia/TD td Alface /td td A tecnologia biofloc não melhorou a produção de alface em comparação com a solução hidropônica convencional /td td Rahman (2010) /td /tr tr class=“mesmo” TDtilápia/TD td Alface /td td O rendimento e a qualidade visual da alface foram melhorados usando BFT em comparação com o sistema de recirculação de água limpa /td td Pinho et al. (2017) /td /tr tr class=“ímpar” TDtilapia (berçário) /td td Alface /td td O desempenho da planta (alface) utilizando tilápia em uma fase de viveiro (1—30 g) foi influenciado negativamente pelas águas residuais de biofloco em comparação com as águas residuais de RAS após dois ciclos de plantas (13 dias cada). Aspectos visuais das plantas foram melhores em RAS em comparação com BFT /td td Pinho (2018) /td /tr tr class=“mesmo” TDtilápia/TD td Alface /td td A presença de elementos filtrantes (filtro mecânico e filtro biológico) afetou positivamente a produção de alface em sistemas aquapônicos em comparação ao tratamento sem filtros utilizando BFT /td td Barbosa (2017) /td /tr tr class=“ímpar” TDtilápia/TD td Alface /td td Baixa salinidade (3 ppt) pode ser realizada em aquaponia usando BFT. Parâmetros visuais e de desempenho indicaram que a variedade roxa teve melhor desempenho do que as variedades lisas e nítidas /td td Lenz et al. (2017) /td /tr tr class=“mesmo” TDSilver/td td Alface /td td O uso de bioflocos no sistema aquapônico pode melhorar a produtividade da alface em uma cultura integrada com bagres de prata /td td Rocha et al. (2017) /td /tr tr class=“ímpar” TDilitOpenaeus vannamei/i/td td IsArcocornia ambigua/i /td td O desempenho do isrimp L. vannamei/i marinho não foi afetado pela produção aquaponica integrada de iS. ambigua/i e também melhora o uso de nutrientes (por exemplo, nitrogênio) no sistema de cultura /td td Pinheiro et al. (2017) /td /tr /tbody /tabela

Fig. 12.6 Estufa aquapônica experimental comparando tecnologia de bioflocos e águas residuais RAS na Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC), Brasil. (Fonte: Pinho et al. 2017)

maior atividade microbiana. No entanto, essa tendência não foi observada no estudo de Rahman (2010), que comparou efluentes de cultura de peixe em um sistema BFT com uma solução hidropônica convencional em uma produção de alface. Além disso, Pinho

Fig. 12.7 Produção aquánica de halófito de alta salinidade Sarcocornia ambigua integrada com camarão branco do Pacífico Litopenaeus vannamei aplicando com sucesso a tecnologia biofloc na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil. (Fonte: LCM-UFSC, Brasil)

Fig. 12.8 Produção de alface Aquaponics integrada com Tilapia usando tecnologia de biofloco (esquerda) e acumulação de sólidos suspensos em raízes de alface (direita). Barbosa (2017)

(2018), em um estudo recente, observou que o desempenho produtivo da alface em sistema aquapônico utilizando Tilapia em uma fase de viveiro (1—30 g) foi influenciado negativamente pela água residual biofloc em comparação com as águas residuais RAS ao longo de 46 dias. A variação nos resultados identifica a necessidade de estudos adicionais nesta área.

O BFT pode ser utilizado com água de baixa salinidade, por exemplo, com algumas variedades de alface (Lenz et al. 2017), e podem ser utilizadas águas de maior salinidade, por exemplo, com espécies de plantas halófitas como Sarcocornia ambigua co-cultura com camarão branco do Pacífico Litopenaeus vannamei (Pinheiro et al. 2017) (Fig. 12.7). O peixe-gato prateado Rhamdia quelen também mostrou bom potencial para a integração da aquapônica com o BFT (Rocha et al. 2017).

Com BFT, a concentração de sólidos pode afetar severamente as raízes e impactar a absorção de nutrientes e a disponibilidade de oxigênio. Consequentemente, os rendimentos podem ser afectados, mas também a qualidade visual das plantas (por exemplo, alfaces), que constitui um critério importante para os consumidores. Com isso em mente, o manejo de sólidos é um assunto importante para estudos posteriores, onde o impacto de sólidos (fração de partículas e também fração dissolvida) em sistemas aquapônicos ao aplicar BFT é considerado (Fig. 12.8). Além disso, é necessário realizar estudos económicos para comparar os custos dos diferentes sistemas de aquicultura e de cultura vegetal e identificar a adequação em relação a diferentes locais e condições.

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